Pesquisa divulgada na última semana pela Fecomércio RJ/Ipsos traz novos dados sobre os hábitos culturais do brasileiro. Cerca de 45% dos entrevistados afirmaram ter realizado alguma atividade de cultura ao longo do ano de 2014. Mas enquanto algumas atividades cresceram, outras apresentaram recuo de público.
Analisando a série histórica, dobrou a parcela de brasileiros que vai ao teatro, por exemplo, passando de 5,7% em 2009 para 11,4% no ano passado. Já no caso da leitura de livros, houve uma queda no índice: em 2014, 29,9% dos entrevistados informaram que leram no mínimo um livro, contra 35,3%, em 2013.
O hábito de ir a shows de música e ao cinema também caiu, de acordo com o levantamento – 2,2 pontos percentuais de 2013 para 2014 no primeiro caso (80,6% não vão a shows) e 1,6 ponto percentual no segundo (73,7% não vão ao cinema). Visitas a exposições de arte não são costume para 92,5% dos entrevistados, enquanto 91,2% informaram que não vão a espetáculos de dança e 88,6% não frequentam as salas de teatro brasileiras e de música – item que avança desde 2011.
“A movimentação cultural do brasileiro tem correspondência no papel crescente das novas tecnologias no seu dia a dia. De um lado, a popularização de conteúdos como comédias stand-ups e similares via web, ao contrário do que muitos imaginavam, acabou por incentivar a ida das pessoas ao teatro. Ao mesmo tempo, hábito cultural tradicionalmente caseiro, a leitura agora concorre com as redes sociais, com apelo cada vez maior junto aos brasileiros”, explica Christian Travassos, economista da Fecomércio RJ.
Por outro lado, ainda em relação a 2013, aumentou, ainda que pouco, a parcela de brasileiros que frequentam espetáculos de dança (1,4 ponto percentual) e os que vão a alguma peça de teatro (0,4 ponto percentual).
Entre as principais razões para não praticar uma atividade cultural estão a falta de hábito ou gosto por esse tipo de programa – juntas elas respondem por 76% das citações e se mantêm no topo da lista de motivos desde o primeiro levantamento da Fecomércio, em 2007.
Quer pagar quanto? – O que pode parecer curioso é que, quando questionados sobre o valor que acham justo pagar por cada uma das atividades culturais, os consumidores estão dispostos a desembolsar mais do que em 2013 para algumas delas.
Para adquirir um e-book, por exemplo, os entrevistados disseram achar justo pagar R$ 35,42 – contra R$ 25,31 em 2013. Para ir a um show de música, pagariam R$ 29,44 (contra R$ 27,88 em 2013) e, para comprar um livro físico, R$ 28,18 (contra R$ 27,46 no ano anterior). Por outro lado, estão menos dispostos a gastar com teatro (R$ 23,87 em 2014, R$ 25,59 em 2013), cinema (R$ 13,81 em 2014, R$ 14,47 em 2013), exposição de arte (R$ 19,08 em 2014, R$ 19,77 em 2013) e espetáculo de dança (R$ 23,39 em 2014, R$ 23,85 no ano anterior).
“R$ 23 reais é mais ou menos 4% do salário mínimo, ou seja, de que brasileiro estão falando? Não há o brasileiro, mas brasileiroS”, alerta Adriana Banana, bailarina, idealizadora e diretora artística do Fórum Internacional de Dança – FID, de Belo Horizonte (MG). Para ela, como todo hábito é uma questão de frequência, o que garantirá o público sempre presente é a exposição a certa informação e a viabilidade do acesso.
“Os profissionais da dança podem trabalhar para conscientizar o público a respeito dos custos de produção e distribuição, no entanto, antes disso, é necessário que eles continuem existindo, o que está cada vez mais difícil”, afirma Adriana. Segundo ela, os bailarinos tiveram que se tornar “burocratas”, escrevendo editais, já que não há políticas públicas para o setor.
Ivam Cabral, diretor da SP Escola de Teatro, diz que em espaços da Praça Roosevelt, no centro da capital paulista, o público vem crescendo ao longo dos últimos anos. “Essas pesquisas, creio, concentram-se em grandes teatros (500, 700 lugares) e, neste sentido, é necessário perceber que talvez vivamos uma mudança de paradigmas. Isso se explica, evidente, por ingressos mais acessíveis, mas também por questões formais, um diálogo maior desta cena alternativa com um público jovem”, explica.
Sobre os preços, ele lembra que os grandes teatros têm preços médios de ingressos a R$ 100, enquanto os espaços menores, grupos e companhias que atuam em espaços alternativos cobram uma média de R$ 30 (R$ 15 a meia entrada). Para ele, para que haja uma renovação de plateia, é importante ter por perto um público jovem – sendo, portanto, fundamental que preços acessíveis sejam oferecidos. “Creio que essa ação, que deveria partir não apenas dos grupos e companhias, mas também das grandes produções – afinal, soa estranho captar alguns milhões via leis de incentivo e oferecer bilhetes a R$ 200, R$ 300, não? –, mais do que qualquer estratégia de conscientização, surtiria mais efeitos.”
Com relação aos livros, outro levantamento divulgado na semana passada, o Painel das Vendas de Livros do Brasil – apresentado pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e o Instituto de Pesquisa Nielsen -, indicou que no primeiro trimestre de 2015 a venda em livrarias registrou um crescimento de 3% em volume de exemplares no comparativo com o mesmo período de 2014. No entanto, o valor desembolsado pelo consumidor caiu 1,30%, com maior impacto nos livros de ficção e universitários. Além disso, o Painel também confirma que o mercado editorial brasileiro atual está muito concentrado. De um total de 150 mil títulos comercializados no período, os 500 mais vendidos correspondem a 25% do total das vendas.
Já no caso do cinema, para levar as pessoas é preciso, antes de tudo, bons filmes. É o que afirma Hermes Leal, diretor de conteúdo do canal CinebrasilTV e criador e editor da Revista de Cinema. “O hábito de ir ao cinema vem mudando muito nos últimos anos, com as comodidades de ver o filme em casa. Reverter esse hábito requer uma estratégia da indústria do cinema. Mas os filmes perdem público nas salas e ganham em outras janelas, online, on demand ou com outras formas de distribuição mais lucrativas para os estúdios. Acho que o cinema pode estar até perdendo público, mas não dinheiro.”
Ainda assim, acredita Leal, os cineastas e essa indústria precisam encontrar meios de atender às demandas da população que ainda não veem seus filmes. Ele conta que, na Índia, além do preço do ingresso ser barato, a população comparece porque os filmes falam de seu dia a dia. Na Nigéria os filmes são feitos amadoristicamente e distribuídos em DVD, mas também abordam temas que interessam à sua comunidade. “Não acho que a grande questão seja o preço do ingresso. Muitas vezes a pessoa não vai porque não se interessa pelos filmes, porque ele não foram feitos para ela”, afirma.