SAN FRANCISCO — Vinte e seteanosatrás,TimBerners-Lee criou a World Wide Web como uma maneira de os cientistas encontrarem informação com facilidade. Desde então ela se tornou o meio mais poderoso do mundo para se obter conhecimento, comunicar-se e fazer comércio. Mas isso não quer dizer que Berners-Lee esteja feliz com todas as consequências. “Ela controla o que as pessoas veem, cria mecanismos para como as pessoas interagem”, disse ele sobre a web moderna. “Foi ótimo,mas espionagem, bloqueio de sites, reutilizar o conteúdodas pessoas, levá-las para os sites errados— issomina completamente o espírito de ajudar as pessoas a criar.”
Por isso, em 7 de junho, Berners-Lee se reuniu em San Francisco com cientistas de elite — entre os quais Brewster Kahle, diretor da organização sem fins lucrativos Internet Archive e um ativistada internet — para discutir uma nova fase da web. Hoje,aWorld Wide Web tornou-se um sistema que muitas vezes é submetido ao controle de governos e corporações. Países como a China podem bloquear certas páginas para seus cidadãos,eserviços de nuvem como a Amazon Web Services têm um enorme poder.
Então o que poderia acontecer, disseram os especialistas, se eles conseguissem utilizar novas tecnologias — comoosoftware usado para moedas digitais, ou a tecnologia de compartilhamento de música “peer-to-peer”— para criar uma rede menos centralizada, com mais privacidade, menos controle do governo e das empresas e um nível de permanência e confiabilidade? “As histórias nacionais, a história de um país, hoje acontecem na web”, disse Vinton G. Cerf, outro fundador da internet e evangelizador-chefe da internet no Google. “As pessoas pensam que fazer coisas digitais significaque vão durar para sempre, mas isso não é verdade hoje.”
O projeto está no início, mas as discussões —e o calibre dos envolvidos — salientam como a direção da World Wide Web provocou uma profunda ansiedade entre alguns tecnólogos. As revelações de Edward Snowden de queaweb foi usada por governos para espionar e a percepção de que companhias como Amazon, Facebook e Google se tornaram os guardas de portão de nossa vida digital aumentaram as preocupações. Berners-Lee, Kahle e outros fizeram um “brainstorm” no evento, chamado de Cúpula da Web Descentralizada, sobre novas maneiras como as páginas da web poderiam ser distribuí- das, sem o controle padronizado de um computador servidor,além de maneiras de armazenar dados científicos sem ter de pagar taxas a empresas como Amazon, Dropbox ou Google.
Muitas pessoas confundem os serviços on-line da internet com a web como se fossem uma coisa só, mas elas são muito diferentes. A internet é uma infraestrutura de trabalho em rede, onde duas máquinas podem se comunicar por diversos caminhos e uma rede local de computadores pode se conectar com outras redes. A web, por outro lado, é um meio popular de acessar essa rede de redes. Mas devido ao modo como as páginas da web são criadas,gerenciadas e nomeadas a web não é totalmente descentralizada.
Sistemas de censura como a Grande Muralha de Fogo da China eliminam o acesso a muita informação para a maioria de seus habitantes. Examinando os endereços da internet, governos e empresas podem ter uma boa ideia de quem está lendo que páginas da web. De certas maneiras, as iniciativas para mudar a tecnologia de criar a web são uma espécie de história de amadurecimento. Berners-Lee criou a World Wide Web enquanto trabalhava no Cern, o Centro Europeu de Pesquisas Nucleares, como uma ferramenta para os cientistas. Cientistas da computação falaram sobre como as novas tecnologias de pagamentos poderiam aumentar o controle individual do dinheiro.
Por exemplo, se as pessoas adaptassem o sistema contábil pelo qual as moedas digitais são usadas, um músico talvez pudesse vender discos sem intermediários como o iTunes da Apple. Novos sites poderiam ter um sistema de micropagamentos para se ler um único artigo, em vez de contar com anúncios para ganhar dinheiro.
O Arquivo da Internet de Kahle opera a Wayback Machine, que é um registro de sites que foram fechados. Agora Kahle tem de buscar e capturar uma página,depois dar-lhe um novo endereço na web. Com o tipo certo de sistema distribuído, segundo ele, “o arquivo pode ter todas as versões, porque haveria um registro permanente localizado em vários sites”.
O movimento para mudar como a web é construída, assim como um número surpreendente de discussões tecnológicas, tem uma dimensão quase religiosa. Alguns participantes são defensores radicais da privacidade e criaram métodos de construir sites que não podem ser censurados, usando criptografia.
Cerf disse que desconfia do anonimato extremo, mas pensou que o modo como as moedas digitais registram de forma permanente as transações poderia ser usado para tornar a web mais confiável. Ainda assim,nem todos os principais atores concordam sobre se a web precisaria realmente ser descentralizada. “A web já está descentralizada”, disse Berners-Lee. “O problema é a dominação de uma só máquina de buscas, uma grande rede social, um Twitter para microblogs. Não temos um problema de tecnologia,temos um problema social.” Um que talvez possa ser solucionado por mais tecnologia.
Fonte: New York Times