A voracidade dos blockbusters ganhou um limite. A Ancine (Agência Nacional do Cinema), após consultar representantes do setor cinematográfico, bateu o martelo nesta quarta (17) e definiu um teto à ocupação das salas por um mesmo filme.
A partir de 2015, um único título não poderá ocupar mais do que duas em complexos de até seis salas de cinema. Nos casos dos espaços multiplex com mais de seis salas, o teto não poderá ultrapassar 35%.
A polêmica ganhou força em novembro, após reportagem da Folha apontar a ocupação recorde de salas por um único filme no país: “Jogos Vorazes: A Esperança–Parte 1″ estreou em 1.300 salas das 2.800 do país (46% do total).
Em entrevista à Folha à época, o presidente da Ancine, Manoel Rangel, classificou o lançamento de “predatório” por restringir a diversidade de filmes que poderiam ser exibidos nesses lugares. A declaração teve grande repercussão no meio cinematográfico, que já discutia o assunto em câmara técnica do órgão.
A adoção de uma medida como essa, existente em países como a França (30%), divide o mercado brasileiro.
O segmento mais independente e autoral afirma que a distribuição dos filmes nos cinemas é o principal gargalo da produção nacional, já que filmes do país entram em poucas salas e ficam pouco tempo em cartaz. Grandes redes de cinemas e distribuidoras, por outro lado, rejeitam uma intervenção estatal por ferir a livre concorrência.
Ontem, por exemplo, longas das franquias “O Hobbit” e “Jogos Vorazes” ocupavam oito das 14 salas do Cinemark Aricanduva, e a animação “As Aventuras do Avião Vermelho”, único brasileiro em exibição no local, dividia uma sala com o longa “Drácula”.
“Os megalançamentos são bem-vindos porque aumentam a frequência ao cinema, mas queremos evitar que homogeneízem a programação como ocorre hoje”, diz Rangel.
Segundo ele, a chamada cota de tela dará “capilaridade” aos lançamentos. “Uma distorção atual é que, mesmo quando um filme ocupa muitas salas num mesmo complexo, não se espalha para muitos locais. Com essa medida, os filmes poderão chegar a cidades onde antes não chegavam.”
Convocados pela Ancine, representantes dessas entidades se reuniram na semana passada para discutir diversos aspectos ligados à digitalização dos cinemas, incluindo a ocupação pelos grandes lançamentos, mas só chegaram a uma definição sobre o teto que consideram adequado nesta quarta.
O acordo foi assinado por 17 das 21 grandes exibidoras (isto é, que possuem mais de 20 salas de cinema no país). Ao todo, 82% das telas dos complexos com mais de três salas são cobertas pelo termo –75% do total de salas no Brasil.
A decisão não tem força de lei, mas cinemas que não a seguirem terão de apresentar compensação, como exibir filmes nacionais por mais tempo.
O ano que vem será a prova de fogo da medida. Estreiam em 2015 mais de dez franquias blockbusters, incluindo “Star Wars” e “007″, cada vez mais dependentes de países estrangeiros diante do enfraquecimento do mercado nos EUA.
RECEPÇÃO
Para parte dos diretores, distribuidores e exibidores do país, a medida anunciada pela Ancine que limitará a ocupação das salas de cinema pelo mesmo título é bem-vinda. Mas não há consenso sobre como o mercado reagirá a ela em 2015, ano de grandes lançamentos hollywoodianos.
“A medida ajuda, mas não é nenhuma varinha mágica”, diz Adhemar Oliveira, diretor de programação do Espaço Itaú. “Mesmo com a limitação, um cinema pode lotar nove de suas salas com apenas três filmes. Cadê a diversidade aí?”
Segundo ele, o maior gargalo é o pequeno número de salas de cinema no Brasil.
O acordo já veio tarde, segundo os cineastas André Klotzel (“A Marvada Carne”) e Cláudio Assis (“A Febre do Rato”). “Já falamos disso há dez anos. Na França o filme paga mais imposto quando ocupa muitas salas”, diz Klotzel.
Ele diz que o mercado hoje vive uma “liberdade abusiva”. “É preciso tratar de forma diferente lançamentos que são diferentes”, afirma o diretor.
Assis defende uma cota de tela ainda maior (o máximo estabelecido é 35%). “O nosso filme é expulso das salas pelas produções estrangeiras.”
“Esse limite só vai reforçar a posição do filme nacional competitivo por um bom espaço no circuito”, pondera Bruno Wainer, diretor da distribuidora Downtown Filmes.
“A ocupação predatória é imposta pela força econômica das corporações internacionais, e não necessariamente pela demanda do publico por um determinado titulo.”
Diretor da Paris Filmes, que distribuiu “Jogos Vorazes” no país, Marcio Fraccaroli também se disse favorável à cota (ele integra a câmara técnica da Ancine). Apesar de já ter se manifestado contra uma intervenção do Estado em ocasiões anteriores, disse que a decisão foi “normal e democrática”.
“A intervenção nunca é bem-vinda, mas não foi uma atitude tomada de cima para baixo”, diz Paulo Lui, presidente da Feneec (Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas). “Alguns exibidores se opõem, mas no geral há entendimento.”
Lui não crê que a regra vá ser infringida. “O mercado está mais profissional. Não há mais exibidores amadores.”
Os membros do setor convocados para debater o tema pela Ancine propuseram a criação de uma comissão que irá avaliar o desempenho da medida em 2015.
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO