A Ancine não está alheia ao problema e já se mexe para tentar encontrar uma forma de melhorar a situação, ao menos em parte. A diretora da agência reguladora Rosana Alcântara revelou em sua apresentação que a Ancine já está desenvolvendo internamente um estudo comparativo sobre quanto as operadoras pagam por canais de filmes tradicionais e os valores pagos aos CaBEQs para, assim, recomendar parâmetros mais justos de valores para equilibrar o mercado. “Estamos levantando a precificação entre empacotadoras e programadoras, comparando os preços pagos a canais de filmes aos licenciamentos pagos pelos CaBEQs e fazendo um estudo de práticas anticompetição, como bonificação por volume e interferências no empacotamento. Ter fortes agentes econômicos é importante, mas uma produção independente é essencial para o desenvolvimento de uma cadeia como a do Brasil”, explica Rosana.
Burocracia
O diretor executivo da ABPI-TV, Mauro Garcia, reclamou da burocracia que envolve a obtenção de recursos públicos e da consequente demora para se liberar as verbas para a produção nacional, e também defendeu um reequilíbrio do mercado: “O papel da Ancine é de indutor, mas os fundos setoriais não vão dar conta do incremento necessário. Temos de buscar outras soluções, como um fundo privado que venha se somar ao fundo setorial com descentralização das produções (em nível nacional) para que a gente consiga criar o volume de produção nacional necessário para atender à defasagem e também exportar”, sugere Garcia, que também pediu linhas automáticas de crédito para eliminar a desvantagem de produtoras pequenas e médias que não têm como adiantar o dinheiro para iniciar os projetos até que as verbas dos fundos sejam liberadas.
Quanto à burocracia na liberação de verbas, por outro lado, Rosana foi categórica: “Burocracia é necessária. É da natureza dos Estados – brasileiro e de outras nações. Não estou fazendo defesa (da burocracia), mas não tenhamos a ilusão de que vamos ter um botão para crédito rápido e imediato. É necessário cuidar da produção independente e não tem como como cuidar dos contratos sem uma análise técnica, senão não desenvolveremos um parque industrial, um mercado sustentável”.
A necessidade de burocracia não significa, contudo, que a Ancine não esteja tentando agilizar os processos. Rosana lembrou a reestruturação interna por que a agência está passando para potencializar suas atividades, com a criação das secretarias Executiva e de Políticas de Financiamento, e mudanças na lógica de acompanhamento de projetos, mudando o foco do processo para o resultado do produto final. A mudança deverá vir com uma alteração no regimento interno da agência, cuja minuta já se encontra na Casa Civil, revela a diretora da Ancine. Também está na agenda uma alteração na instrução normativa de Direitos, que se refere à regulamentação da gestão de direitos e exploração econômica de projetos audiovisuais realizados com recursos públicos federais.
O advogado Gilberto Toscano, do escritório Cesnik, Quintino e Salinas Advogados, concorda que a morosidade na hora do repasse dos recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) não estimula a livre concorrência, mas sugere um tratamento diferenciado, com graduação de exigências para diferentes níveis de investimento privado em uma produção. “O regulamento geral trata da mesma maneira uma obra que tem 85% de investimento público e uma que tem apenas 20% de financiamento. A proposta é que houvesse algum tipo de graduação de restrições ao produtor nacional para estimular o investimento privado”, enfatiza. “O receio é de que daqui a três anos talvez entremos numa fase de restrição de investimentos, e na ausência de recursos públicos o setor pode não estar bem estruturado para continuar a produção”, pondera Toscano. “Talvez seja a chave da virada para esse negócio funcionar ou não, mas o setor tem de ter a capacidade de se profissionalizar e demonstrar isso na captação de recursos. Estamos caminhando com a reforma do regulamento geral, licenciamento e estudando a possibilidade de graduação”, diz Rosana. Para ela, a busca da autossustentabilidade é um caminho longo e “aqueles que querem investir no audiovisual precisam também de audácia, de visão para investir nos desenhos de modelos de negócio”.
Garcia, da ABPI-TV, levanta outro problema, a falta de incentivos para a venda dos conteúdos em outras janelas ou exibições. “Se a gente achar que o retorno da TV (para o FSA) vai se dar na primeira licença, não vai acontecer. Precisamos ter uma espécie de ‘sindication’ nacional, com a circulação desses conteúdos em diversos programadores para poder evoluir e sair do fenômeno da primeira licença”, argumenta. Quanto ao retorno de 15% para o FSA na primeira licença, ela insiste na posição da Ancine: “achamos fundamental. O fundo perde quando o projeto perde – e perdemos muito –, mas ganha quando o projeto ganha. O retorno para o fundo, e de imediato, é importante para ajudar a alavancar projetos médios e menores.” Rosana reconhece, entretanto, que a discussão sobre franquias, como incentivos a segundas temporadas de séries ainda é um dilema, mas pondera que o número de projetos que têm avançado para a segunda temporada ainda é pequeno.
Resultados
A diretora da Ancine ressaltou contudo, os resultados concretos no setor após a entrada em vigor da Lei do SeAC. “A Lei transformou uma demanda potencial em real, criou uma demanda, permitindo o desenvolvimento do setor audiovisual, através do fomento à produção independente”, salientou, lembrando que a legislação exige, desde o ano passado, duas mil horas anuais de produção independente na TV por assinatura. “A Lei do SeAC quadruplicou a presença da produção brasileira na TV paga, com mais de 90 canais exibindo filmes e seriados brasileiros em horário nobre”, comemora.
Dados apresentados por Rosana mostram, por exemplo, que o número de licenciamentos de obras brasileiras não-publicitárias na TV paga triplicou na comparação entre 2012 e 2013, passando de 1.059 obras brasileiras licenciadas para 3.205 obras. Esse aumento diminuiu em muito o gap existente na comparação com obras estrangeiras licenciadas, que no mesmo período passaram de 2.310 para 3.964 obras licenciadas. “O número de certificados de produção brasileira (CPBs) emitidos para filmes, seriados e programas de TV em 2013 foi quase o dobro de 2012″, comemora Rosana. O número de CPBs passou de 1.708 para 3.330 no período e apenas no primeiro trimestre de 2014 o número de CPBs emitidos somou 766. A evolução também se verificou no número de certificados de títulos para vídeo on-demand: foram 192 títulos de obras brasileiras em 2012 contra 569 no ano passado, um crescimento de quase quatro vezes.
Fonte: Tela Viva News